A comerciante Elisabete Rodrigues de Oliveira Leal, de 61 anos, passou várias noites em claro, dormiu mal durante muitos anos e peregrinou por médicos de diferentes especialidades antes de ser diagnosticada com a síndrome das pernas inquietas, um distúrbio neurológico dos movimentos de origem não totalmente esclarecida pela ciência.
Estima-se que a condição atinja de 5% até 15% da população adulta (nas manifestações mais leves), e cerca de 2% a 3% procuram um médico por apresentarem sintomas mais intensos. Ela afeta mais mulheres e se torna mais frequente com o avanço da idade.
“A síndrome das pernas inquietas é um distúrbio em que o paciente chega ao médico relatando uma sensação desagradável nas pernas, que é acompanhada da necessidade urgente de se movimentar. Essa sensação surge especialmente nos momentos de inatividade, depois de muito tempo sentado ou quando o indivíduo se prepara para ir dormir”, explicou o neurologista Rodrigo Meirelles Massaud, especialista em distúrbios do movimento do Hospital Israelita Albert Einstein.
Ele diz que as principais queixas incluem relatos de sensação de formigamento, câimbras, choque, inquietação, aflição, tensão e até mesmo coceira.
De acordo com Andrea Bacelar, diretora da Associação Brasileira do Sono, essa síndrome se manifesta principalmente à noite e o alívio dos sintomas ocorre somente depois que a pessoa se movimenta.
“A síndrome tem um padrão circadiano, a manifestação piora à noite. Então, é bastante comum a pessoa friccionar a perna, se movimentar, caminhar pelo corredor da casa na tentativa de aliviar os sintomas. Pode acometer também os membros superiores (braços), mas é bem menos frequente”, afirmou.
Entre as causas relacionadas ao desenvolvimento da condição, estão a deficiência de ferro no organismo, eventualmente um distúrbio de dopamina, problemas renais e algum componente genético — já que cerca de 40% a 60% dos pacientes relatam histórico familiar.
“Ainda assim, não conseguimos afirmar que seja um problema hereditário porque ainda não isolamos um único gene que seja responsável pela síndrome”, disse Massaud.
Bacelar destaca também que há uma forte associação também com a gestação — cerca de 20% das mulheres grávidas podem desenvolver o problema.
Apesar de os sinais parecerem claros, o diagnóstico correto da síndrome pode passar despercebido por anos porque boa parte das pessoas não sabe o que esses sintomas indicam e que este é um problema que pode ser tratado.
A maioria só procura ajuda quando as ocorrências ficam insuportáveis. Além disso, muitos profissionais de saúde também desconhecem as causas e acabam tratando o paciente inadequadamente.
Foi o que aconteceu com a comerciante Elisabete Leal, que contou que sentia incômodos nas pernas desde muito jovem, mas só foi procurar ajuda médica depois dos 50 anos, quando os sintomas pioraram.
“Minhas pernas pulavam na cama. Não havia posição que eu conseguisse encontrar para dormir. Tomava remédios, mas nada adiantava”, conta.
O primeiro médico que ela procurou era um cirurgião vascular, que disse que ela tinha problemas de circulação e prescreveu uma medicação. “Tomei remédio para circulação por meses e não tive melhora nenhuma”, conta a comerciante, que resolveu ouvir uma segunda opinião, de outro cirurgião vascular.
“O outro médico pediu alguns exames e disse que eu não tinha varizes e nenhum problema de circulação. Mas não tocou na hipótese da síndrome. Falou que o problema era o remédio que eu tomava para controle do colesterol”, lembra. Mais uma vez, a paciente não recebeu o diagnóstico correto.
Sem conseguir solucionar o problema, ela conta que procurou um ortopedista, que também descartou qualquer problema ósseo. Mas foi ele que deu uma luz para a comerciante chegar ao especialista correto e descobrir a síndrome.
“Ele disse que era bom eu consultar um neurologista porque eles também tratam de problemas nas pernas. Só depois disso fui pesquisar e encontrei um especialista que fez o diagnóstico correto. Foram pelo menos três anos passando de médico em médico”, conta ela, que atualmente toma uma medicação e está com a síndrome controlada.
O diagnóstico da síndrome das pernas inquietas é basicamente clínico e envolve uma boa entrevista do médico com o paciente, além da realização de uma série de exames para descartar outras doenças que podem se manifestar com sintomas parecidos.
“Diante da suspeita, precisamos descartar outros problemas como transtornos dos movimentos, doenças neuromusculares que provocam câimbras noturnas, doenças reumatológicas que levam a dores articulares, doenças da medula espinhal, fibromialgia, distúrbios do sono. Precisamos fazer um diagnóstico diferencial”, explica o neurologista Massaud.
Já Bacelar ressalta que, ao suspeitar das pernas inquietas, o profissional precisa solicitar a dosagem de ferro. Se ele for a causa do problema, apenas a reposição venosa ou oral pode ser suficiente para eliminar os sintomas, sem a necessidade de tratamento medicamentoso. Além disso, algumas medicações como antidepressivos, antialérgicos e medicamentos psicotrópicos podem agravar ou potencializar os sintomas das pernas inquietas.
“Muitas vezes, tirando determinadas medicações, os sintomas desaparecem. Por isso, é tão importante que o médico faça perguntas para o paciente”, disse.
O tratamento da síndrome das pernas inquietas dependerá do tipo de queixa do paciente e das possíveis causas que levaram ao desenvolvimento do problema.
Se houver déficit de ferro, deve ser feita a reposição. Se houver deficiência de dopamina, o paciente deverá usar medicamentos dopaminérgicos.
Para os pacientes com causa idiopática (não definida), há outras medicações que devem ser usadas continuamente que manterão os sintomas sob controle.
Não é possível prevenir o desenvolvimento da síndrome, mas uma das possibilidades de aliviar os sintomas é realizar exercícios para aumentar a mobilidade dos membros inferiores.
“Essa é uma das poucas condições que a gente pede para a pessoa fazer exercícios antes de dormir. O fato de o indivíduo pedalar, caminhar, correr neste período noturno pode ser suficiente para ele não ter a queixa e não precisar de remédio”, finaliza Bacelar.
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