Resumindo a Notícia
Esta quarta-feira (20) marca um ano da tragédia na Multiteiner, em que a queda de um mezanino deixou 9 mortos e 40 feridos em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.
Funcionários e ex-funcionários conversaram com o R7 sobre o desdém da companhia, tanto com os familiares das pessoas que perderam a vida quanto com os próprios colaboradores, que ficaram com sequelas e não tiveram ajuda financeira para tratamentos de saúde nem indenização por acidente de trabalho.
O caso aconteceu em 20 de setembro de 2022, quando colaboradores da Multiteiner, uma empresa de contêineres, foram convocados para um comício político em um mezanino. Alguns precisaram ir até mesmo contra a própria vontade.
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A estrutura onde o evento era realizado não tinha alvará da prefeitura nem do Corpo de Bombeiros e desabou. O laudo da criminalística mostrou que os pilares do mezanino não tinham capacidade para suportar as 70 pessoas que estavam no local.
Dos presentes, 9 morreram, 40 ficaram feridos e outros 21 saíram ilesos, apesar do trauma — veja quem eram as vítimas abaixo.
O advogado trabalhista Felipe Rodrigues, que representa a família de Iara Soares, de 20 anos, morta na tragédia, e do tio da jovem, Pedro Soares, ex-funcionário da empresa que ficou mais de uma hora esperando ajuda após ter sido atingido pelos entulhos, conta que montou uma força-tarefa com outros sete defensores em busca de um respaldo por parte da Multiteiner.
Apesar das provas de que a companhia foi negligente ao superlotar o espaço sem alvará de funcionamento, os processos não vão para a frente porque o delegado Marco Antônio Gameiro, responsável pela investigação, ainda não finalizou o inquérito policial.
“Estamos acompanhando e cobrando da polícia o fechamento deste inquérito, mas eles dizem que estão ouvindo o depoimento das pessoas ainda. Estão com páginas e páginas separadas apenas para os depoimentos, esperando elas irem até a delegacia. Está demorando muito, não há necessidade de ouvir tanta gente, as provas principais já estão ali”, afirma Rodrigues.
Em nota à reportagem, a SSPSP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informou que já notificou a empresa. “Diligências e oitivas dos envolvidos prosseguem visando ao esclarecimento dos fatos e conclusão do inquérito”, diz a pasta.
Demissões
A Multiteiner demitiu boa parte do corpo de funcionários que estavam no acidente. Muitos deles tinham contrato de autônomo. Para o advogado Felipe Rodrigues, a empresa usou essa justificativa para não arcar com os direitos devidos aos colaboradores. “Eles faziam contrato de prestação de serviço. Burlaram a legislação trabalhista, pagavam só salário sem benefício”, opina.
Aqueles que tinham contrato CLT, como Marcus Vinícius Siqueira, seguiram trabalhando no local, mas sabendo que a qualquer momento poderiam ser desligados. “Só não me mandaram embora por conta do ano de estabilidade”, relata o trabalhador.
Marcus atuava no setor de elétrica e fraturou um osso calcâneo no acidente. Ele ficou um tempo afastado com um atestado médico e, quando retornou, precisou ser remanejado de função, já que não poderia mais andar muito.
“Eles me deixam lá, eu fico sentado, e é isso. Não posso mais trabalhar na área em que eu gostava, que paguei até curso, porque estou impossibilitado”, lamenta.
Marcus ressalta ainda que, nos primeiros dias após a tragédia, a empresa pagava remédios e motoristas de aplicativo para levar as vítimas às consultas médicas. Porém, “sem mais nem menos”, a ajuda parou.
A engenheira Tamires Aparecida tinha contrato como autônoma, mas conta que a empresa obrigava esses “terceirizados” a bater ponto, trabalhar das 7h às 17h e dar satisfação em caso de falta.
A jovem fraturou uma perna e ficou com alguns ferimentos no corpo após o acidente. Quando voltou ao trabalho, precisou ser remanejada para o setor comercial, fora de sua área de estudo. Quatro meses depois da tragédia, ela foi demitida. “Falaram que, se não fosse dessa forma, me dispensariam, e foi isso.”
Três das vítimas que morreram no acidente eram amigos íntimos de Tamires. Para ela, o trauma e a saudade são eternos.
Assim como a engenheira, Wender Lopes, que trabalha no setor de elétrica, era autônomo. Ele diz que em nenhum momento a empresa ajudou com medicamentos. “Tive que comprar tudo do meu bolso”, lamenta.
‘Empresa que age de má-fé’
João Alves, de 57 anos, foi demitido por justa causa seis meses depois do acidente. A Multiteiner alegou que o eletricista, que tinha contrato CLT, apresentava muitos atestados.
“Fui mandado embora sem direito nenhum. Estou lesionado até hoje, minha mão adormece, fica rachando, e eles queriam que eu trabalhasse. Isso tudo foi por causa do acidente, antes eu nunca tive problema. Agora, não consigo arrumar emprego”, desabafa o homem.
Todas as vítimas entrevistadas, com exceção de Wender, que diz ter assinado um contrato antes de lê-lo por completo, entraram na Justiça contra a Multiteiner em busca de direitos trabalhistas pela falta de apoio e consideração da empresa após o acidente.
Nas audiências que ocorreram até agora, os ex-funcionários contam que a empresa “mente” e se exime de sua responsabilidade com os autônomos que estavam no acidente, sejam eles sobreviventes ou não.
“A sensação que tenho é de desleixo com essas famílias. Muitas delas tiveram seus entes queridos levados nessa tragédia e em momento algum a empresa se solidarizou. Eles poderiam fazer um mutirão para indenizar essas pessoas, mas ao invés disso agem de má-fé e eximem-se da responsabilidade e da culpa”, conclui o advogado Felipe Rodrigues.
A Multiteiner foi procurada por diversas vezes pelo R7 para comentar as alegações dos entrevistados, mas preferiu não se posicionar.
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