A publicidade de jogos de azar e casas de apostas está na mira do Congresso Nacional, e o caso levanta discussões sobre a participação e a responsabilidade de influenciadores digitais na divulgação de cassinos online. Na semana passada, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras foi finalizada com a sugestão de quatro projetos de lei para regulamentar o setor. Entre eles há uma proposta que enquadra personalidades da internet que divulgam cassinos online.
Os cassinos físicos são proibidos no Brasil, mas, como as sedes das empresas ficam em outros países, isso possibilita o funcionamento desses sites no país. Basta o jogador criar uma conta em uma dessas páginas e se declarar maior de idade para ter acesso a jogos como caça-níquel, roleta, blackjack e pôquer.
Para começar a apostar, em geral, os aplicativos exigem que os jogadores depositem um valor em dinheiro. Os usuários, então, começam a ganhar nas primeiras rodadas, mas depois fica mais difícil conseguir manter a sequência de vitórias.
“Um amigo me indicou um link, eu entrei, coloquei R$ 30 e ganhei R$ 150. Aí eu fui jogando e perdendo, e conforme você vai perdendo vai gerando certo desespero, porque você quer recuperar o que perdeu. Foi virando uma bola de neve. Teve um dia que perdi R$ 600”, conta o design gráfico Josevan Barbosa de Souza. “É um jogo que trabalha muito com o psicológico. Ele te dá um ganho momentâneo, mas quando você coloca mais dinheiro, ele começa a tirar o que você tem”, completa.
Como em qualquer jogo de azar, a possibilidade de o usuário perder é maior que a de ele ter lucro. Ainda assim, a maioria dos influenciadores dificilmente divulga os impactos negativos das apostas.
Marcelo Mattoso Ferreira, advogado especializado em games e eSports, afirma que os cassinos online são proibidos pela lei, por configurarem contravenção penal (art. 50 do decreto-lei 3/10/41). Além disso, os influenciadores podem, sim, ser responsabilizados por divulgar jogos ilegais.
Ele também reitera que os jogos de cassino são diferentes das apostas esportivas, chamadas de cota fixa. Estas já são regulamentadas pela lei 13.756/18, que recentemente sofreu alteração por uma medida provisória do governo federal, com a imposição do pagamento de imposto sobre os lucros das empresas.
Entenda: Punições, licença milionária e limite para propaganda: veja os principais pontos do projeto sobre as apostas esportivas
“Cada país tem um entendimento, seja sobre os jogos em si, seja sobre a forma de publicidade feita por influencers. No Brasil, não é permitida a publicidade e propaganda sobre cassinos online de qualquer natureza (canais convencionais ou influencers), uma vez que se trata de uma atividade ilícita”, afirma Ferreira.
“Já as apostas esportivas são autorizadas pela legislação brasileira, porém ainda carecemos de regulamentação pelo Ministério da Fazenda. Atualmente, os sites de apostas atuantes no mercado brasileiro são sediados no exterior, por conta da falta de regulamentação, mas a ideia é que o cenário mude nos próximos meses”, afirma.
Isso faz com que o contexto da propaganda de apostas esportivas também seja nebuloso. “Com isso, há quem diga que a publicidade e propaganda para esse tipo de atividade é lícita, se feita dentro dos limites legais e conforme as diretrizes do Conar [Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária]”, enfatiza.
Atualmente, o Conar discute o tema por meio de um grupo de trabalho que prevê regras de autorregulamentação da publicidade de apostas esportivas. A expectativa é que a regulação garanta que as ações de marketing e publicidade das apostas esportivas sejam responsáveis e éticas, com base nas medidas de autorregulamentação do setor utilizadas em outros países. O grupo foi montado em junho deste ano, e não há previsão de quando a proposta será apresentada ao Ministério da Fazenda.
Regras mais rígidas para influenciadores
Além de fechar o cerco contra os jogos de azar, um dos quatro projetos de lei propostos pela CPI das Criptomoedas sugere regras mais duras em relação à propaganda de jogos online por influenciadores digitais. No caso, personalidades com mais de 20 mil seguidores nas redes sociais deverão estabelecer contratos que deixem mais transparente a relação entre o contratado e o contratante.
Segundo o relator da comissão, o deputado Ricardo Silva (PSD-SP), ao longo dos trabalhos do colegiado foi constatado que muitos criminosos que organizaram pirâmides financeiras se valeram da contratação de influenciadores digitais para atrair as vítimas.
“Ao avançarmos nas investigações sobre o tipo de relação mantida entre os influenciadores e seus contratantes, observamos que, muitas vezes, ela é marcada pela opacidade. Isso dificulta a apuração de eventual responsabilidade das celebridades que convencem seus seguidores a entrar em um golpe financeiro”, afirmou o parlamentar.
O tema também é discutido no Senado, na Comissão de Esporte. Entre os projetos de lei prontos para ser votados na comissão está uma sugestão, de autoria do senador Eduardo Girão (Novo-CE), que prevê a proibição da participação de pessoas consideradas celebridades ou com poder de influência em publicidade de apostas. O relator da proposta, o senador Sérgio Petecão (PSD-AC), recomenda a sua aprovação.
Para Girão, “o ambiente virtual transformou-se, ironicamente, em uma espécie de terra sem lei, onde vicejam não apenas as por si deletérias apostas esportivas, mas também uma série de jogos ilegais e outras atividades fraudulentas”.
Segundo o parlamentar, a expansão do vício em jogos de azar, potencializado pelas modalidades de apostas pela internet, é associado à prática de crimes como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e evasão de receita.
Danos mentais
Existe a possibilidade de um jogador apostar recreativamente; no entanto, a internet facilitou o vício ao tornar os jogos de azar mais acessíveis. É o que explica a neuropsicóloga Juliana Gebrim. “A internet oferece uma ampla variedade de jogos online, aumentando o apelo e a tentação para os jogadores. As redes sociais e os influenciadores digitais também têm um papel importante na promoção dos jogos online, o que pode influenciar negativamente os seguidores, especialmente os mais jovens e vulneráveis”, afirma.
Ela explica ainda que o princípio da dependência é o mesmo para todas as classificações de dependência: as pessoas podem começar a jogar por diversão, por curiosidade ou mesmo na intenção de ganhar dinheiro. Com o vício instalado, o cérebro viciado em jogo passa por mudanças neuroquímicas e estruturais que podem ter consequências significativas na saúde mental e no funcionamento cognitivo do indivíduo.
“A ativação excessiva do sistema de recompensa do cérebro leva a uma busca incessante por prazer e recompensa, levando a alterações na estrutura e na função cerebral. Isso pode resultar em dificuldade em controlar impulsos, tomar decisões racionais e lidar com emoções negativas. Além disso, o vício em jogo pode levar a problemas financeiros, relacionamentos prejudicados, isolamento social, ansiedade, depressão e ideação suicida”, diz Gebrim.
Na mesma linha, o psicólogo Paulo Gomes afirma que há muita relação entre a dependência de drogas e a dependência de jogos de azar. “O indivíduo se vicia, pois os jogos ativam os setores de recompensa, como o sistema límbico, cujos neurônios têm numerosos receptores para o neurotransmissor dopamina, que é uma molécula responsável pelo prazer”, explica.
Para a neuropsicóloga Roselene Espírito Santo Wagner, as sugestões legislativas em discussão tocam em problemas complexos, com a necessidade de amplo debate.
“Toda tentativa de enfrentamento do que causa vício eu vejo como implementação de ‘redução de danos’. Eu observo que a prevenção sempre foi mais eficaz que a correção de um problema já instalado. Através da educação nas bases, principalmente educação financeira e desenvolvimento de um currículo de inteligência emocional, seria mais eficaz para, em longo prazo, educar as crianças para [que se tornem] jovens e adultos mais saudáveis emocional e psicologicamente. Isso iria refletir direto na construção de cultura mais equilibrada. Com mais saúde física e mental”, afirma.