Em um período de 24 horas, o Departamento Nacional de Segurança dos Estados Unidos registrou a travessia de 8.600 imigrantes pela fronteira com o México. O recorde escancara a recente crise migratória no continente americano.
O cenário de desespero nas américas Central e do Sul atravessou o país e chegou à Casa Branca, em Washington.
Republicanos e democratas, que historicamente discordam nos mais variados assuntos, criticam a administração do presidente Joe Biden e pedem por uma reforma no sistema migratório do país.
A chegada exponencial de imigrantes na última semana sobrecarregou o sistema das cidades de Eagle Pass e El Paso, no Texas.
“Agora, estamos recebendo, sete, oito, nove mil pessoas por dia. Isso significa que o governo dos Estados Unidos está sobrecarregado e, com isso, perde a capacidade de fazer qualquer tipo de segurança na fronteira”, afirma Andrew Selee, presidente do Instituto de Políticas Imigratórias dos EUA.
O prefeito de Eagle Pass, Rolando Salinas, disse que não recebeu qualquer ligação da Casa Branca, até o momento.
“Estamos aqui, abandonados. Estamos na fronteira, estamos pedindo ajuda. Isso é inaceitável. Por favor, apenas aplique as leis que estão nos livros. Deveríamos ser capazes de fazer cumprir as leis. Se você quiser vir para cá, bom, venha legalmente”, disse Salinas à CNN.
E acrescenta: “É uma pena não termos uma reforma no sistema migratório e uma solução para prevenir situações como esta.”
A crise já respinga nas eleições para presidente do ano que vem. Joe Biden, que tenta a reeleição para a Casa Branca, pode perder eleitores.
“A crise migratória é uma preocupação para o Biden, uma vez que isso pode gerar com que ele perca votos que são fundamentais de eleitores do seu próprio partido. E quando eu falo desses eleitores, eu estou falando dos democratas que moram em subúrbios americanos”, afirma Lucas de Souza Martins, professor e doutorando em estudos da relação Estados Unidos-América Latina, na Universidade Temple (Filadélfia, EUA).
Para Martins, a situação de Biden pode se complicar ainda mais se o democrata enfrentar um candidato republicano, que não seja Donald Trump. Segundo o professor da Universidade Temple, entre os eleitores democratas existe uma grande rejeição ao ex-presidente, que se envolveu em uma série de escândalos, como a invasão do Capitólio e as tentativas de alterar o resultado das eleições de 2020.
Um nome menos polêmico entre os republicanos representa uma ameaça e a possibilidade de eleitores indecisos não escolherem Biden, em 2024.
Solução está dentro do Congresso
“Hoje, o que existe com o Biden é uma crise. O presidente parece que não está mobilizando o Congresso e a sociedade civil na medida que poderia fazer. E, inclusive, tem recebido pressões de dentro do partido democrata para que faça isso o quanto antes”, avalia Martins.
Na semana passada, o governo dos Estados Unidos anunciou um programa que torna mais de 472 mil venezuelanos elegíveis a um visto de trabalho. (https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eua-liberam-vistos-de-trabalho-para-quase-500-mil-imigrantes-venezuelanos-para-aliviar-crise-migratoria/)
A Casa Branca optou por expandir um programa de ajuda humanitária chamado Temporary Protected Status (TPS), em português, Estatuto de Proteção Temporária. Dessa forma, Joe Biden não depende do Congresso para aprovar um projeto de lei, o que agiliza o processo, mas não agrada a classe política.
Segundo Andrew Selee, presidente do Instituto de Políticas Imigratórias dos EUA, mais da metade dos imigrantes que lotam as fronteiras agora vieram da Venezuela.
O deputado republicano Tony Gonzales disse à CNN que medidas como essa frustram projetos que estão em andamento no Congresso e que visam ampliar os vistos de trabalho para imigrantes que entram legalmente no país.
“Quando você concede asilo a 500 mil venezuelanos que vieram ilegalmente, o que você está fazendo é minar a imigração legal. Imagine se você é da Índia, é médico e está tentando vir aqui para trabalhar, mas alguém da Venezuela está furando a fila”, disse o político.
Imigração não é prioridade, mas é fardo de toda administração
O professor Lucas Martins explica que a questão da imigração nunca foi prioridade ou tema central das campanhas eleitorais nos Estados Unidos. Mas, ao mesmo tempo, é um fardo que vários presidentes americanos carregam.
Biden foi vice de Barack Obama, que era conhecido pelas políticas rígidas de imigração. Na época, o ex-presidente democrata chegou a ser chamado de “chefe-deportador”.
No último ano de governo Obama, em 2016, mais de 240 mil pessoas foram mandadas de volta para os países de origem.
Mas, a avaliação interna foi positiva. Uma vez que Obama conseguiu mobilizar a mídia e o Congresso para angariar recursos que o ajudariam a lidar com a crise. Esse movimento agradou não só a classe política, mas também os eleitores democratas.
O principal rival de Biden, o ex-presidente Donald Trump, tinha uma abordagem singular em relação à questão migratória. Trump gastou mais de US$15 bilhões para construir um muro de 1.200 quilômetros na fronteira dos Estados Unidos com o México.
O republicano chegou a utilizar uma série de fundos, incluindo aqueles disponibilizados por uma declaração de emergência nacional feita por ele. O muro virou um símbolo da campanha de Trump e também de seu governo. Por mais polêmico que o projeto seja, ex-presidente soube conversar com o seu eleitorado, que tende a ser mais conservador.
Trump chegou a dizer que mandaria o México pagar pela barreira. A relação com o país vizinho é crítica quando falamos de imigração. Nessa semana, o governo americano fez um acordo com os mexicanos, que prometeram deportar imigrantes antes mesmo de chegarem à fronteira com os EUA.
O deputado republicano Tony Gonzales criticou a medida e disse que o governo não pode depender apenas do México para uma solução.
“Se vamos contar com o México para administrar nosso sistema de imigração… estou muito preocupado com isso, porque eles falharam em todos os aspectos. Não podemos permitir que outros países administrem a nossa segurança nacional”, disse o republicano à CNN.
Eleições 2024
“O foco do candidato à presidência dos Estados Unidos, deve ser contornar a situação, deve ser procurar maneiras de atenuar essa crise”, afirma o professor Universidade Temple, Lucas Martins.
Por mais que Biden e Trump sejam os favoritos na corrida para a Casa Branca, os americanos se mostram cansados do cenário político e não querem um “repeteco” da disputa de 2020.
*Com informações da CNN Internacional
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